PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2000. 141 p. (Coleção TEMAS JURÍDICOS)

 

 

Wellington Soares da Costa

 

Pós-Graduado em “Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos”, Servidor Público do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), wsc333@hotmail.com

 

 

A internet, além de gerar um estupendo e inolvidável progresso nas comunicações, carreia  alguns problemas, que têm preocupado os estudiosos das mais diversificadas áreas do conhecimento científico. O enfoque jurídico, nesse terreno, também se faz presente, a isso se voltando a obra da qual é feita esta resenha, pois “precisamos preparar a humanidade para não se perder em um mundo que funciona por meio das máquinas”, além do que “o conhecimento a serviço da dignidade da pessoa humana é um passo fundamental para a construção de uma democracia real e não apenas formal” (fala de Gabriel Chalita à p. 15, apresentador do livro de Paesani). Soma-se a tal constatação uma outra: a de que “o setor de comunicação de massa é hoje uma das áreas em que mais se afirmam os novos direitos fundamentais do povo em sua essência comunitária” (p. 17).

 

Encontra-se a Introdução do livro às pp. 17-19.

 

Logo na já citada Introdução, vê-se que “O problema reside no fato de que a Internet não é uma entidade física, e as leis existentes só fazem sentido onde há fronteiras e jurisdições tradicionais” (p. 18).

 

Liberdade de Informação e Princípios Constitucionais é o tema para o qual se volta o capítulo 1 (p. 21-24). Essa liberdade envolve os direitos de informar e de ser informado e está prevista na CF/88, da mesma forma que os seus limites são encontrados na Carta Magna e na legislação infraconstitucional. Pode ser salientada a passagem: “Pode-se afirmar que o grau de democracia de um sistema pode ser medido pela quantidade e qualidade da informação transmitida e pelo número de sujeitos que a ela tem acesso” (p. 23).

 

No capítulo 2 (p. 25-34) estuda-se Internet: A Nova Tecnologia da Informação, oportunidade em que a autora adentra a especificidade do tema de seu livro. Constam nesse capítulo: a) curiosa história da internet; b) comentários sobre o Estado e o Direito face à realidade da internet; c) liberdade de acesso à internet e proteção do internauta, merecendo ser destacado o projeto de lei que a OAB/Seção São Paulo elaborou acerca do comércio eletrônico.

 

O capítulo 3 (p. 35-46) tem como título Anomalia na Internet. Delitos e Responsabilidade na Rede. A internet é vista como anomalia nas telecomunicações, haja vista não ter nem proprietário nem financiador, somando-se a essa realidade a falta de legislação no âmbito do Direito Internacional. Dentre os delitos, são exemplos a prática do racismo e de outras discriminações, a transferência de dinheiro entre contas bancárias, a pedofilia. Fala-se também sobre o mercado on-line de ações.

 

Internet e Privacidade é o título do capítulo 4 (p. 47-58). Sabendo-se que a internet é “o espaço da liberdade total” (p. 53), como conciliá-la com o direito à privacidade? Eis a discussão presente nesse capítulo.

 

As considerações sobre os riscos provenientes do uso da informática conduzem ao reconhecimento de um direito à ‘autodeterminação informática’ ou à ‘privacidade informática’, que devem ser incluídos entre os direitos fundamentais e contrabalançados entre os interesses do Estado (segurança interna ou internacional, polícia, justiça), e relevantes direitos individuais e coletivos, como, por exemplo: o direito de crônica ou, mais intensamente, o direito à saúde em sua dimensão coletiva, ou seja, a difusão da informação deverá tutelar a saúde da coletividade, mas não discriminar o indivíduo.

 

A evolução do conceito de privacidade chegou a incluir no próprio conceitï!o ‘direitï¡ee não saber’, identificado como poder negativo, como direito de excluir da própria esfera privada uma categoria de informações (ex.: notícia de uma doença mortal que poderia abater o ânimo da pessoa que venha a ter conhecimento de seu estado).9 (p. 51)

 

Registra-se que:

 

A presente questão afronta o segredo das comunicações interpessoais na Internet e a intromissão do Poder Público ou de outros sujeitos privados. No primeiro caso, a legislação de cada país, ao lado das Convenções Internacionais, subordinam a ‘interferência’ a um mandado. No outro caso, as interferências eletrônicas são consideradas penalmente relevantes.16

 

A crescente escalada da violência tem possibilitado ao Poder Público a captação de informações e dados privados por meio de métodos eletrônicos sofisticados. Entende a doutrina que, diante dos fins visados, é possível a ação interceptora, sacrificando-se os direitos individuais em prol do bem comum. Essas interferências estão legitimadas pelo sistema jurídico, em função da orientação que cabe ao Estado de conceder segurança a seus cidadãos.

 

Entretanto, o perigo desses avanços pode conduzir a um domínio tecnológico estatal com conseqüências sociais e políticas imprevisíveis, a menos que para sua utilização existam provas contundentes da participação da pessoa visada, cabendo à autoridade judicial toda cautela, para responsabilizar o agente por eventual abuso. (p. 55)

 

Internet e o Direito de Autor são os assuntos a respeito dos quais Paesani discorre no capítulo 5 (p. 59-72). São feitas muitas referências ao direito comparado.

 

Consigna-se à p. 65:

 

Embora tenha sido colocada em dúvida a aplicabilidade do direito de autor na Internet, permanece a questão de como proteger esse direito.

 

É opinião corrente que na Internet tudo é permitido sem necessidade de assumir nenhuma responsabilidade. Aplicando esse conceito ao direito patrimonial do autor e traduzindo em termos financeiros – ou responsabilidade pelo ressarcimento –, conclui-se que qualquer pessoa pode publicar uma obra na Internet, seja ela musical, literária ou artística, sem necessidade de autorização e sem obrigação de ressarcimento ao autor.

 

Entretanto, o conceito apresentado afronta os princípios do Direito, e é possível afirmar, pelo menos genericamente, que os direitos de autor se aplicam também à Internet; [...]

 

Podem ser sublinhadas as constatações seguintes (p. 64):

 

. deixa de ser relevante a figura de quem exerce a atividade de intermediação da troca de informações entre o autor e o público, o que resulta na inadequação de toda a normativa centrada na cópia e na distribuição das cópias;

. a obra não é oferecida a pessoas indeterminadas, mas é depositada (stored) para poder ser divulgada; e a divulgação só ocorre em relação ao usuário que a demanda;

 

. não existe um exemplar material, logo, falta uma das características da obra protegida pelo direito de autor ligado à materialidade da exteriorização: a fixação. Em conseqüência desses fatores, torna-se necessária uma nova interpretação dos institutos fundamentais do direito de autor, como, por exemplo, o esgotamento da obra;

 

. o próprio conceito de obra entra em crise hoje, pois, com a nova tecnologia, a obra pode ser decomposta em partes infinitesimais (como uma fotografia). Indaga-se até que ponto pode ser aplicada a tutela do direito de autor para a utilização por terceiros e qual é o limite além do qual se torna necessário o consentimento do autor;

 

. a desmaterialização da obra diminui os limites entre a reprodução, difusão e sua circulação. A presença do suporte material é que tem determinado o direito à multiplicação e comercialização da mesma, diversamente do direito de utilização (como por exemplo, o direito de execução, de representação e de radiodifusão); nas estradas eletrônicas, ao contrário, reprodução, circulação e difusão parecem coincidentes.

 

O título do capítulo 6 (p. 73-96) é A Responsabilidade Civil na Internet e no Mercado Informático. Inicia-se o capítulo com a citação de Afranio Lyra, segundo o qual:

 

‘Quem pratica um ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportar as conseqüências do seu procedimento. Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade, o problema da responsabilidade. Vê-se, portanto, que a responsabilidade é um fenômeno social.’1 (p. 73)

 

Além do tema central do capítulo (que é a responsabilidade civil na internet), são estudados: 1) a fundamentação histórica da responsabilidade civil; 2) a responsabilidade civil no direito francês, alemão, italiano, inglês e anglo-americano.

 

Alinha-se que as hipóteses que mais representam os casos de responsabilidade civil na internet são “a deficiência de segurança contra fraudes financeiras, contra invasão de privacidade e a interrupção acidental do acesso à rede” (p. 81), asseverando-se que “a responsabilidade pode caber tanto a fornecedores de bens e serviços de informática [...] como às entidades que se utilizem deles para prestação de seus serviços a clientes via redes eletrônicas” (p. 81-82).

 

Ainda são abordados nesse capítulo: 1) uso irregular de software e responsabilidade civil; 2) modalidades de culpa, consoante Gilberto Martins (in eligendo, in vigilando, in omittendo, in custodiendo e in contraendo); 3) aplicação da teoria do risco; 4) interrupção acidental de acesso à internet; 5) excludentes de responsabilidade civil; 6) dano moral e sua irreparabilidade.

 

A Conclusão da obra de Paesani encontra-se às pp. 96-98.

 

No livro, constam quatro anexos muito interessantes, sendo exemplo o “Anexo B – Código de Auto-regulamentação dos Serviços Internet” (p. 106-120).

 

Às pp. 137-141, a Bibliografia está registrada.

 

Alude-se ao direito comparado em todo o livro. Observa-se que a linguagem técnica pertinente à internet é utilizada por Paesani com a correspondente explicação.

 

De conformidade ao que a autora deixa registrado no último parágrafo da Introdução (e também na Conclusão), o livro não traz nenhuma solução, porém mostra possibilidades nesse sentido, a exemplo do Anexo B, citado anteriormente. Todavia, é de se reconhecer a importância capital desse livro para os que se debruçam sobre a questão “Direito e Internet”.

 

Entendo que Paesani conclama todos os internautas à inafastável observância da ética, porque “A educação para o exercício da liberdade responsável – sem intervenção do Estado – e a adequação a uma auto-regulamentação é, sem dúvida, o grande desafio de nossos dias” (p. 19).

 

E, conforme o ensinamento de Gilberto Dupas:

 

‘se não formos capazes de subordinar o desenfreado avanço tecnológico à moderação da moral e da razão – ou seja, ao bom uso da autodeterminação –, nossa espécie poderá estar pavimentando o caminho do poema de Robinson Jeffers: Um dia a Terra vai-se coçar, e sorrir, e sacudir para fora a humanidade’. (p. 98)

 

Para concluir esta resenha, remeto o leitor às irretocáveis linhas da p. 5:

 

Projeto do código de honra das Nações Unidas de 1952:

 

‘A liberdade de informação e da imprensa é um direito fundamental do homem e o ponto de referência de todas as liberdades reconhecidas na Carta das Nações Unidas e proclamadas na Declaração Universal dos Direitos do Homem... Essa liberdade estará melhor protegida se, com um esforço sério de vontade, os responsáveis da imprensa e da informação, qualquer que seja o modo de expressão utilizado, não deixarem jamais enfraquecer o sentimento da própria responsabilidade e passarem a se compenetrar sempre mais da obrigação moral que lhes impõem de ser verídicos e de aspirar à verdade na exposição, na explicação e na interpretação dos fatos... O exercício honrado da profissão exige a dedicação ao bem público.’