COMENTÁRIOS SOBRE OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS 

 

Wellington Soares da Costa

Graduando em Direito, Servidor Público do INSS, wsc333@hotmail.com

 

Tendo em vista a dimensão social do processo e a necessidade de que todos tenham acesso efetivo à justiça, além da instrumentalidade da proteção jurisdicional, foi instituído o Juizado Especial, também denominado Juizado de Pequenas Causas, objetivando ainda evitar os custos e a demora inerentes ao processo tradicional, bem como propiciar a paz social de forma mais abrangente e efetiva através da auto-composição dos litígios levados à apreciação do Poder Judiciário (conciliação e transação presentes no Juizado de que ora se trata).

 

Esse é mais um passo com vistas à real democracia, revestindo esse Juizado de um procedimento não somente sumaríssimo, porém especialíssimo, visto tratar-se de um procedimento com filosofia tal que extrapola a simples abreviação do processo, pois se mostra capaz de induzir à paz social graças à conciliação e transação já referidas, extirpando da sociedade as litigiosidades nela contidas apenas por falta de condições financeiras de grande parcela da população para arcar com as custas de um processo demorado e, reconheça-se, até mesmo desacreditado, conquanto a aplicação subsidiária das normas do procedimento comum ao inaugurado pelo Juizado Especial. Eis a inigualável função social do Juizado de Pequenas Causas, potencialmente voltado à remodelagem da jurisdição, trazendo inegáveis conseqüências positivas de alcance social alvissareiro.

 

A partir do exposto, fácil se torna a compreensão dos princípios inerentes a esse Juizado:

1)      princípio da oralidade – há predominância do procedimento oral, agilizando a solução da lide, pois as provas são colhidas diretamente pelo juiz e ele mantém contato direto com as partes, a atividade jurisdicional tende a concentrar-se numa só audiência, o juiz que instrui o processo é o mesmo que procede ao julgamento e não existe a possibilidade de ser interposto recurso suspensivo contra as decisões interlocutórias, as quais “interrompem amiúde o normal andamento do processo, fazendo-se necessário torná-las irrecorríveis até a decisão final ou [melhor dizendo] admiti-las sem suspensão da causa” (COSTA, 2004: 21), ficando retido o agravo para julgamento a final (para Fredie Didier Jr., não cabe agravo no procedimento do Juizado Especial, conforme o Enunciado 15 do IV Encontro Nacional dos Coordenadores dos Juizados Especiais) - respectivamente, esses subprincípios da oralidade são chamados imediatismo, concentração, identidade física do juiz e irrecorribilidade;

2)      princípio da simplicidade – inexiste o que o contencioso habitual apresenta de complexo;

3)      princípio da economia processual – minimização das custas processuais, que somente são cobradas do vencido e desde que ele recorra da sentença;

4)      princípio da celeridade – busca-se solucionar com rapidez a lide;

5)      princípio da informalidade – ausência das formas exigidas no procedimento comum, ensejando a mais concreta aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.

 

Os Juizados Especiais Cíveis serão criados pela União e pelos Estados, cabendo-lhes executar os seus julgados e, além de promover a conciliação das partes, processar e julgar as causas de sua competência, consideradas pelo legislador como de menor complexidade, que são as seguintes:

1)      aquelas de valor até 40 salários mínimos, desde que não sujeitas a procedimento especial ou ordinário;

2)      as causas que envolvem arrendamento rural, parceria agrícola, cobrança de quantias devidas pelo condômino ao condomínio, ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico bem como decorrentes de acidente de veículo terrestre, cobrança de seguro referente a dano causado em acidente de veículo (excetuados os processos de execução), cobrança de honorários de profissionais liberais (com exceção do disposto em lei especial) e noutros casos previstos em lei;

3)      despejo para uso próprio;

4)      possessórias sobre imóveis de valor até 40 salários mínimos.

 

Observa-se que também se inclui na competência desses Juizados a execução de títulos executivos extrajudiciais, um vez respeitado o limite de 40 salários mínimos.

 

Excluem-se de tal competência as causas: 1) de natureza alimentar, falimentar e fiscal; 2) de interesse da Fazenda Pública; 3) referentes a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e à capacidade das pessoas.

 

Constata-se que a capacidade processual é pressuposto processual de validade das ações junto aos Juizados Especiais Cíveis, porque, de conformidade ao disposto na Lei 9.099/95, caput do Art. 8º, o incapaz não pode ser parte nos processos que tramitam no Juizado Especial Cível. Trata-se não da capacidade de ser parte no sentido stricto sensu, mas da capacidade processual.

 

Antes do advento do Código Civil de 2002, a regra acima tinha uma exceção no § 2º do Art. 8º da Lei 9.099/95, que permite ao maior de 18 anos atuar como autor (e somente como autor) nos aludidos processos, com ou sem assistência, incluindo a conciliação, que lhe é facultada. Entretanto, atualmente é considerado maior de idade o indivíduo com 18 anos completos (CC de 2002, Art. 5º), tornando inoperante o § 2º do Art. 8º da Lei dos Juizados Especiais, no sentido de que, à luz do CC hodierno, o maior de 18 anos tem plena capacidade processual, podendo atuar como autor ou ser demandado nesses processos, haja vista estar habilitado a praticar os atos da vida civil – se assim não fosse, estaria concretizado um inaceitável privilégio ao se impedir de ser demandado aquele que já apresenta a maioridade civil, além de ser negado ao demandante o vero acesso à justiça, contrariando uma das grandes finalidades da Lei 9.099/95.

 

Sabe-se que a capacidade processual é a de estar em juízo exercendo, por si mesmo, os direitos e deveres processuais. As pessoas físicas, quanto à capacidade processual, podem ser absolutamente capazes, absolutamente incapazes ou relativamente capazes. Os maiores de 18 anos de idade são absolutamente capazes dos pontos de vista civil e processual. Além disso, a capacidade processual é um dos pressupostos a serem atendidos quando se provoca o Estado-juiz.

 

A Lei 10.259/01, conhecida como Lei dos Juizados Especiais Federais, não diverge da Lei 9.099/95 quanto ao tratamento dispensado à capacidade processual. Assim, o autor pessoa física deve ser processualmente capaz, ou seja, deve ser capaz de exercer, por si mesmo, os seus direitos e deveres em matéria processual, pois a Lei 9.099/95 assinala os princípios e as normas gerais que norteiam os Juizados Especiais Cíveis e Criminais das esferas federal e estadual. Os dispositivos dessa lei, portanto, devem ser observados necessariamente tanto pela União quanto pelos Estados ao criarem os respectivos Juizados.

 

Se a Lei 10.259/01, que institui tais Juizados no âmbito da Justiça Federal, não alude de forma expressa à capacidade processual, a razão disso está em que a matéria já se encontra normatizada na Lei 9.099/95, a qual, conforme dito linhas atrás, é a norma geral que deve ser observada na elaboração, interpretação e aplicação das leis federal e estaduais que criarem os Juizados Especiais em suas respectivas esferas. O atendimento à capacidade processual é imprescindível, haja vista essa capacidade ser pressuposto a ser observado em qualquer processo.

 

No que se refere à citação da pessoa física pelo correio, embora o inciso I do Art. 18 da Lei 9.099/95 reze que a citação, quando feita por correspondência, conterá AR em mão própria, isto é, AR com a assinatura da pessoa física citada, entende-se que é válida a citação que não contenha essa assinatura, considerados os princípios que norteiam os Juizados Especiais.

 

Há de ser salientado o princípio da instrumentalidade das formas processuais, segundo o qual tais formas não constituem um fim em si mesmas, senão o meio necessário ao andamento do processo. Conforme COSTA (2004: 21):

 

As formas pelas quais se manifesta o processo, conquanto de importância reconhecida, são apenas o instrumento com que a jurisdição é acionada. Quer-se dizer que a finalidade a ser alcançada mediante o processo supera em importância a forma dos atos e procedimentos processuais, porque o processo tem função instrumental.

 

Pode-se observar esse princípio nos seguintes artigos do Código de Processo Civil:

 

Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

 

Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

 

O princípio da instrumentalidade das formas está mais fortemente presente no procedimento sumaríssimo, fundamentando juridicamente a interpretação linhas atrás comentada.

 

 

Referências

 

BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 14 fev. 2005.

 

_______. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 14 fev. 2005.

 

_______. Lei 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 14 fev. 2005.

 

_______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 14 fev. 2005.

 

COSTA, Wellington Soares da. Princípios do direito processual civil. Interação. Varginha (MG): UNIS, ano IV, v. 9, n. 1, p. 20-23, maio 2004. (no prelo)